No Vale do Aço, a rotina das agências bancárias no começo de cada mês evidencia uma crise silenciosa: aposentados enfrentam longas filas, informações desencontradas e pressão para migrar ao atendimento digital. Mesmo com a modernização, muitos usuários não se adaptam e desistem antes de completar o saque ou resolver pendências. Três relatos locais mostram como isso se traduz em frustração e desigualdade. Muitos aposentados, que dependem do saque presencial para pagar contas ou fazer as compras mensais, enfrentam espera sob sol, calor ou em ambientes apertados, sem água ou banheiros ? cenário que se repete nacionalmente, especialmente em locais com menor presença digital.

Com mais de 700 mil habitantes, da Região Metropolitana e as cidades do chamado Colar Metropolitano do Vale do Aço concentra grande circulação de benefícios previdenciários no início de cada mês. Em dias de pagamento do INSS, as agências ficam lotadas, gerando filas que começam cedo. Apesar da intensa movimentação, o número de guichês atendendo presencialmente permanece estável e insuficiente. Funcionários relatam pressão por produtividade e falta de recursos, especialmente em horários críticos.

Os bancos tentam "empurrar" o público para atendimento virtual como solução: "faça pelo app, fica bem mais rápido", ouvimos frequentemente nas agências. Porém, muitos aposentados não têm familiaridade com celulares, senhas, reconhecimento biométrico ou conexão de internet constante. Alguns sequer têm smartphone, ou têm dificuldades motoras e cognitivas para manusear telas pequenas. Essa realidade já foi registrada em matérias nacionais sobre inclusão digital de idosos.

A pressão por atendimento presencial só cresce quando aparece a orientação para usar meios digitais sem que haja suporte efetivo. Informações sobre procedimentos, tempo de espera ou dados de atendimento quase nunca são transmitidas claramente. Isso leva muitos a desistir da fila e voltar outro dia, gerando retrabalho e agravando o acúmulo.

Histórias que espelham a realidade local

Dona Lourdes (72 anos): em uma agência de Ipatinga, passou cerca de 5 horas esperando para tentar sacar. Sem resposta clara, voltou para casa exausta e incomodada com dores físicas. Perto dela, dona Marta (68): tentou cadastrar-se em ponto digital na agência, mas não conseguiu entender todo o processo. Sentiu-se insegura, perdeu a senha e desistiu do atendimento. O marido, seu José (74): já desistiu por diversas vezes, alegando que chega cedo mas encontra filas semelhantes em dias posteriores. Reclama de falta de atendimento humanizado e clareza na orientação.

A espera prolongada não é apenas incômodo: afeta a dignidade, o planejamento financeiro e a mobilidade dos usuários, muitos dos quais dependem exclusivamente do benefício para sobreviver. A imposição do atendimento digital sem suporte também acentua a desigualdade entre quem domina tecnologia e quem não domina ? o que atinge especialmente os idosos.

A ironia do cartaz e o silêncio do atendimento

Um detalhe chama atenção nas agências: em cada uma delas, há um cartaz visível informando que o estabelecimento ?possui um exemplar do Código de Defesa do Consumidor à disposição para consulta?.

A mensagem, que deveria representar transparência e respeito, soa quase como uma ironia diante da espera, da falta de informação e da ausência de empatia com os clientes mais vulneráveis.

"Para que isso, se o básico, o direito de ser atendido com dignidade, já está sendo ignorado?", comenta seu José, resumindo o sentimento coletivo.

O cartaz permanece ali, silencioso, enquanto as filas crescem e os consumidores esperam por algo mais essencial que um exemplar impresso: respeito e eficiência.

Panorama nacional e metas de melhoria

Em nível nacional, o INSS busca reduzir prazos de análise e concessão de benefícios. Recentemente, foi anunciado objetivo de que processos sejam resolvidos em até 45 dias, com mutirões e reforço de pessoal em várias regiões.

Dados mais recentes indicam que o tempo médio entre pedido e concessão variou entre cerca de 44 e 51 dias, dependendo da localidade, com redução do número de requerimentos em alguns meses.

Caminhos possíveis para Vale do Aço

Para aliviar as filas e fortalecer a inclusão digital local, são necessárias iniciativas como:

  1. contratação ou realocação de mais funcionários para atendimento presencial em dias de pico;
  2. tutoria presencial nas agências para uso de canais digitais, com pessoal treinado e dedicado;
  3. ampliação de horários de atendimento presencial e terminais de autoatendimento assistido;
  4. campanhas locais de alfabetização digital focadas em aposentados e famílias;
  5. monitoramento contínuo da satisfação do usuário, com divulgação transparente de tempos médios de espera e efetividade dos canais.

Alguns bancos e instituições de crédito no Brasil já adotaram programas de ?voluntários digitais? nas agências para ajudar clientes a se adaptarem ao uso de aplicativos. Também há projetos em andamento em assembleias legislativas que visam obrigar bancos a manter atendimento presencial proporcional.